Gerson, morto por leoa, viveu anos de negligência e transtornos mentais

 

A invasão ao recinto de Leoa Leona, em João Pessoa, expõe a trajetória de Gerson de Melo Machado, 19 anos, marcada por abandono, adoção frustrada, transtornos mentais sem tratamento e sucessivas falhas do Estado. O jovem estava em surto quando escalou o muro e entrou na jaula.

A morte de Gerson de Melo Machado, 19 anos, após invadir o recinto da leoa Leona no Parque Zoobotânico Arruda Câmara, em João Pessoa, ganhou novas dimensões depois de um forte desabafo publicado nas redes sociais pela conselheira tutelar Verônica Oliveira. Nas palavras dela, a tragédia “foi construída ao longo de anos de negligência”. Segundo Verônica, que acompanhou o caso de Gerson por quase uma década, “todo o poder público falhou com ele e com a família”.

No vídeo que circula pelas redes sociais, uma conselheira afirma que Gerson foi afastado da mãe ainda na infância. A mulher, segundo Verônica, tinha esquizofrenia, a mesma condição característica da avó materna. A conselheira contornou que conheceu o menino aos 10 anos, quando ele chegou ao Conselho Tutelar após fugir sozinho de um abrigo e caminhar pela beira de uma estrada. Enquanto os quatro irmãos foram adotados, Gerson não encontrou uma família. "Começou ali uma saga para ele ser acolhido. Ele foi rejeitado repetidamente", disse Verônica.

A conselheira relatou que ele só recebeu diagnóstico formal de deficiência intelectual, transtorno de conduta e esquizofrenia em 2023. O laudo, segundo ela, recomendava “tratamento multidisciplinar em regime integral”, algo que nunca chegou. Verônica também registrou o sonho fixo do jovem: ser dominador de leões e viajar para a África. “Ele chegou a ser encontrado no trem de pouso de um avião, achando que ia para a África”, disse.

No dia do ataque, Verônica acredita que Gerson estava em surto. Segundo ela, ele “não tinha noção de risco”. A prefeitura de João Pessoa informou que o jovem escalou uma parede de mais de seis metros, passou pelas grades de segurança e alcançou o recinto usando uma árvore como apoio. Os visitantes registraram a cena em vídeo. Nas imagens, Gerson aparece descendo pela árvore até ser alcançado pela leoa, que o atacou rapidamente. Ele morreu no local por choque hemorrágico causado por lesões no pescoço.

A prefeitura classificou o episódio como um ato “imprevisível”. A Polícia Civil investiga a possibilidade de suicídio. O parque foi fechado após temporariamente o ataque.

Depois da invasão, Leona ficou estressada, mas foi retirada sem o uso de tranquilizantes. A equipe técnica afirma que o animal apenas reagiu de forma instintiva. A direção do parque garantiu que “não existem hipóteses de sacrifícios”, e que a leoa segue monitorada.

Para Verônica, porém, o episódio deve ser visto como resultado de um abandono prolongado. Em seu desabafo, ela afirma que Gerson “nunca teve o acompanhamento de saúde mental que precisava” e que a morte dele “não começou na jaula, começou anos atrás, quando ele foi deixado de lado, uma vez após a outra”.


"O MENINO EA LEOA"

Gerson de Melo Machado, o Vaqueirinho, de 19 anos, morreu no domingo depois de descer até o espaço dos leões no parque Zoobotânico de João Pessoa e ser atacado por uma leoa.

Após a morte brutal, a conselheira tutelar Verônica Oliveira lembrou a trajetória de abandono que Gerson carregava desde criança. Encontrado sozinho na rodovia dez anos e entregue ao Conselho Tutelar, ele cresceu atravessado por pobreza extrema, transtornos mentais nunca tratados e a ausência completa de uma rede familiar estruturada. Ainda assim, repetia o sonho de ir à África para domar leões, como se esse desejo fosse a única porta imaginária capaz de tirá-lo da vida triste que levava.

A mãe, entregou com esquizofrenia, havia perdido o poder familiar, mas continuou sendo o centro afetivo do qual ele jamais abriu mão. Ele fugiu dos abrigos para reencontrá-la, acreditando que um dia ela seria bem o suficiente para cuidar dele. Ela lutava contra a doença, muitas vezes chegando ao Conselho para dizer que não conseguia ser mãe, que precisava devolver o filho, que sua mente doente a incapacitava de se sustentar e de dar afeto ao menino. Eram duas pessoas frágeis tentando se agarrar uma à outra e sempre derrotadas pelas situações.

Gerson era o único dos irmãos que não conseguiu uma família adotiva. O transtorno, somado à marca da negligência extrema, o transformava num menino que ninguém escolheu, porque a sociedade prefere crianças perfeitas dentro de um sistema que só acolhe quem chega já ferido.

Apesar disso, Gerson mantinha uma doçura rara. A conselheira que o acompanhante por oito anos dizia que ele buscava um lugar no mundo, mesmo quando o mundo insistia em empurrá-lo de volta para a sarjeta.

Sua morte na jaula da leoa cerrou uma vida marcada por fome, solidão e uma busca incansável por acolhimento. Aos 19 anos, comecei carregando a mesma inocência que o fazia acreditar que poderia conversar com feras e sobreviver aos perigos que o cercavam desde o berço. Sua história deixa um eco doloroso, um lembrete de que outras crianças continuam invisíveis, esperando que alguém as veja antes que seja tarde demais.


Fonte: MSN

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